A Graça Barata: O Equívoco Protestante

O mérito como causa da graça de Deus, ou por outras palavras, a benção como conseqüência do bom comportamento, não é um equívoco somente da matriz religiosa brasileira, é uma confusão que deita raízes na história. Esta foi uma das principais discussões ocasionadoras da reforma protestante do século XVI. Aquela altura, o conceito de uma salvação fruto das boas obras estava fortemente arraigado na teologia da igreja e na mentalidade popular. Tal pensamento levou a absurdos provocados por uma liderança religiosa que se mantinha na mesma proporção do desconhecimento bíblico das massas.

Nasce neste horizonte, o protestantismo protestando contra esse e outros erros sem qualquer fundamento nas escrituras sagradas. A reforma trombeteou: a graça de Deus é um favor imerecido fruto do amor de Deus sem envolver ou depender de qualquer mérito humano. Por mais justo, integro, correto que venha ser o comportamento de alguém, ele não se constitui em um mérito diante de Deus.

Levado a seus extremos, ou egoisticamente mal absorvido, esse conceito se deturpou em alguns grupos protestantes. A salvação e aceitação pela graça, o enorme medo do mérito, gerou aquilo que o teólogo alemão Dietrich Bonheffer denunciou sabiamente: a graça barata. Um barateamento da graça de Deus, posto que a transforma num privilégio pessoal no qual não importa quem sejamos ou façamos, Deus sempre, pela sua “graça”, vai nos perdoar, aceitar e salvar. Ou seja crê-se em um Deus que é tão bom a ponto de me deixar ser tão mal, pois no final, tudo sairá bem. É uma graça sem exigências, sem confronto, sem transformação, que não somente justifica o pecador, mas também o pecado, graça auto-administrada, auto-gerida, auto-mantida.

Ora se a graça que vem do mérito pode ser considerada o pecado católico, a graça barata é o pecado protestante. Em ambas as narrativas há um ponto cego, que Jesus nos faz ver: precisamos de uma correta articulação entre graça, mérito e esforço. Na narrativa de Jesus sobre Deus estes três elementos estavam em harmonia, por terem sido colocados nos seus devidos lugares. Sobre isso falaremos em nosso próximo post. Até lá!

A Graça como Resposta ao Mérito: A Falsa Narrativa da Matriz Religiosa Brasileirra

A matriz religiosa brasileira foi formada a partir de três grandes forças inicias: o catolicismo ibérico português, as religiões africanas e as ameríndias. Em todas elas o mérito é um ponto comum para se conseguir o favor divino.

No catolicismo popular está arraigada a noção de alcançar uma benção  mediante uma promessa. Quando Deus faz a parte dele atendendo ao pedido, cabe ao fiel pagar o prometido. Nas religiões afro-brasileira e ameríndias, deuses e orixás, somente abençoam a partir de oferendas. Sem algum sacrifício, nada feito.

O espiritismo kardecista, embora não faça parte da matriz religiosa original, é hoje uma quarta força operando sob a mesmíssima lógica. Intelectualizado e voltado para um público que se entende mais pensante, o kardecismo labora sob uma inflexível lei de causa e efeito, na qual o aperfeiçoamento alcançado pelas sucessivas encarnações (efeito) é resultado de uma correção de comportamento  (causa). Daí se dizer que a re-encarnação é uma questão de justiça, pois uma vida só é pouco para esse aperfeiçoamento. Novas chances em outras vidas é algo mais justo, tanto para receber a recompensa dos acertos como a punição pelos erros.

Nesse quadro religioso não poderia faltar a igreja evangélica que cresceu neste país recebendo pessoas oriundas dessa matriz religiosa. Por ter se afastado muito das suas raízes protestantes reformadas do século XVI, a chamada igreja evangélica não conseguiu superar esse equívoco trazido pelos egressos das religiões acima descritas. Ouvimos ressoar do púlpito dos pastores, embora com uma roupagem aparentemente mais bíblica, a mesma relação de mérito como causa da graça de Deus. Para se conseguir a benção de Deus, assim reza a cartilha de boa parte dos evangélicos, é necessário que se faça algo para merecer: uma corrente de oração, uma série de jejuns, dízimos e ofertas, freqüência a igreja…uma lista longa de coisas que se feitas, garantirão a proteção e o favor de Deus.

Mas sería esse o Deus de Jesus Cristo? Esta era a narrativa sobre Deus que tinha Jesus e que nos deixou como legado?

Fraterno abraço

Presença e não livramento!

Os anos me ensinaram que um bom processo de aprendizagem envolve não apenas a reflexão, mas também repetição. A mera reflexão sobre algo, não significa o seu aprendizado.  A repetição sem reflexão, apenas  faz-nos máquinas estúpidas de decorar informações. Pois bem, depois de refletir, sugiro que repitamos tanto quanto necessário for, as seguintes afirmações:

  • A fé em Deus e a relação com ele, não é garantia de privilégio contra as vicissitudes da existência. Andar com Deus não é um passaporte para a imunidade de dores e sofrimento. Portanto, quando coisas ruins não esperadas começarem a acontecer, por mais trágicas que sejam, não se pergunte: por que eu?;  levando em consideração que sua fé não faz de você um privilegiado, aprenda a se perguntar: porque não comigo? Vacine-se contra o pensamento escondido no inconsciente, de que sua relação com Deus o coloca debaixo da obrigação de fazer da sua vida um exemplo de paz, saúde, prosperidade e felicidade.
  • É fato! Muitos textos da bíblia parecem nos sugerir que aqueles que nele confiam, não serão abalados, afligidos, tocados. Lembro que Jesus, pelo menos para os cristãos, é a referência a partir da qual toda a escritura deve ser lida. A narrativa de Jesus sobre Deus, nos diz que a promessa do Pai é de estar presente no deserto conosco, não a de evitá-lo. A falsa narrativa vigente, embora com cheiro de bíblia, nos diz: confie em Deus e o sirva e então ele vai abençoar você.  A narrativa de Jesus nos afirma: na vida vocês terão problemas, aflições, dores, desertos, sofrimentos justos e outros estupidamente inexplicáveis, mas confiem em mim, eu estarei com vocês (palavras minhas da palavra Dele). Note-se: a promessa é de companhia, cumplicidade e não de livramento. Portanto, ao sair de casa, não alimente a falsa expectativa de que coisas ruins não vão acontecer com você ou os seus, somente porque você é servo ou serva de Deus. Escore-se sim na verdade libertadora de que mesmo em silêncio, Deus estará presente, não importa o que aconteça.

Repetir isso vai nos ajudar a interiorizar o conceito de Deus que Jesus tinha. Mais: vai nos ajudar a perceber que a grande ligação com o Pai, conforme nos revelou Jesus, deve se dar puramente na base do amor a ele, por mais incompreensíveis e imprevisíveis que venham a ser as circunstâncias dentro das quais a nossa vida aconteça.

Fraterno abraço

Eduardo

Narrativas

Olhamos o mundo a partir das nossas experiências. Elas nos ajudam a formar (pré)conceitos. Experiência e conceitos formam uma narrativa. Vivemos sob o poder dessas narrativas, que nada mais são do que a nossa cosmovisão, a maneira como enxergamos todas as coisas.

As narrativas são poderosas pois determinam nossa percepção. Nos relacionamos com Deus sob o poder das narrativas que construímos. O problema é que muitas delas são falsas ou imprecisas. Descendem de influências familiares, culturais e religiosas; nem sempre fontes muito seguras de uma narrativa saudável sobre Deus.

Há que se ter uma âncora, um referencial seguro a partir do qual possamos efetivamente construir uma confiável narrativa sobre Deus. A narrativa de Jesus sobre Deus é esta referência. Por outras palavras, mas dizendo a mesma coisa: a imagem que Jesus tinha de Deus é a narrativa maior e mais plena. Em Jesus, o conceito sobre Deus atingiu sua mais plena maturidade e confiabilidade. Portanto, todas as outras narrativas devem ser julgadas a partir da de Jesus. Ele, e somente ele, pode no ajudar com toda confiança possível a construir uma narrativa capaz de nos aproximar de Deus realmente como ele é e não como achamos que deveria ser.

Diante disso pergunta-se: Qual a narrativa de Jesus sobre Deus?